O Palavras Aladas vai entrar num período de pausa.
Juvenal Nunes
As palavras são a matéria-prima da arte poética.
O voo da imaginação transforma-as em palavras aladas.
Alma solitária
Ó
Alma doce e triste e palpitante!
que cítaras soluçam solitárias
pelas Regiões longínquas, visionárias
do teu Sonho secreto e fascinante!
Quantas
zonas de luz purificante,
quantos silêncios, quantas sombras várias
de esferas imortais, imaginárias,
falam contigo, ó Alma cativante!
que
chama acende os teus faróis noturnos
e veste os teus mistérios taciturnos
dos esplendores do arco de aliança?
Por
que és assim, melancolicamente,
como um arcanjo infante, adolescente,
esquecido nos vales da Esperança?!
Cruz e Sousa
POETAS DE PARABÉNS
NICOLAU TOLENTINO
Cegueira de Amor
POEMAS POR TEMAS
AS VINDIMAS
A vindima de Eros
E de novo este céu desenrola a sua
matéria
de outono. Com a precisão do vindimador, agarro
as suas vides e corto os cachos de névoa que
caem sobre a terra. Ponho-os no carro do poema,
e levo-os para a adega abandonada do sonho
para os transformar num vinho de palavras
feitas com as sílabas mais líquidas, as que se
podem beber pela taça da estrofe. E um fumo
da antiga inspiração evola-se da cuba
dos mistérios. As raparigas descalças, com
os seus aventais de sol, sobem para o lagar
e pisam as uvas. O cheiro do sumo sobe
até ao fundo da sua cabeça, e antes que fiquem
tontas começam a contar as memórias perecíveis,
as que nasceram de uma fuga noturna
pelos campos impunes do estio. Espero
que acabem o seu trabalho, e vejo-as sair com
as pernas roxas até aos joelhos, e as saias subidas
até às coxas. Os seus olhos rodam como
as velas de um moinho ébrio de vento; e
abrem os braços à luz, como se desejassem
que ela limpasse os seus corpos da espuma
que os envolve. E canto esses corpos, como
se elas me pedissem que transformasse
o mosto dos seus lábios no vermelho puro
da madrugada. Assim, uma levada de versos
recitados nos rituais da origem inunda
os seus seios e restitui-lhes a brancura inicial,
enquanto me obrigam a beber os líquidos
que os seus pés destilaram. E apenas lhes peço,
quando vestem as suas túnicas de nuvem,
que atravessem de novo as videiras decepadas
e abracem os vindimadores, beijando-os,
para que eles provem o vinho novo dos seus lábios.
Nuno Júdice
O SIMBOLISMO
AUGUSTO GIL
A MÁSCARA
Por acaso, parou na minha frente,
De loup e dominó de seda negra,
Uma mulher de olhar resplandecente
E mento breve de figura grega.
Tomei-lhe as mãos esguias entre as minhas...
E os seus olhos doirados reluziram
Como os punhais ao sol, quando se tiram,
Aguçados e frios, das bainhas.
— Máscara, quem és tu?
— E tu quem és?...
— Um homem que te viu e te deseja...
E um riso vago, de desdém talvez,
Floriu na sua boca de cereja.
Ergui-lhe as mãos ascéticas. Beijei-as.
Em vibrações entrecortadas, secas,
Tiniam taças irisadas, cheias.
E uma frase de amor, toda em colcheias,
Vibrava nas arcadas das rebecas.
Levei-a para o vão duma janela.
— Máscara, quem és tu?
— Para que insistes?...
Outro riso subiu da boca dela
Aos olhos enigmáticos e tristes.
E descobriu a face. No capuz
Emoldurou-se um rosto lindo e sério.
Que diferente porém do que eu supus!
A gente nunca deve entrar com luz
Nos divinos recantos do mistério...
Augusto Gil